Como este Under 30 se tornou um pecuarista de carnes premium

Daniel Steinbruch, Forbes Under 30 2022 (veja a lista completa aqui), já pode dizer que deixa um legado na pecuária brasileira. Não pelo volume de animais criados, mas pela crença de que encontrou seu espaço em um mercado ultracomoditizado no qual a agregação de valor por meio de produtos premium tem sido um desafio nas últimas décadas.

Marcas de carne premium, escala de produção e mercado consumidor nem sempre andaram na mesma cadência. Mas, se as histórias da verticalização da pecuária desse tipo de produto fossem contadas em um livro, Steinbruch estaria no capítulo dos vencedores. Criador de bovinos da raça japonesa wagyu desde 2006, na fazenda Querência, em Mogi Mirim, município a cerca de 160 quilômetros de São Paulo, ele se considera um aprendiz que aproveitou todas as lições para aprimorar o que sempre sonhou fazer. “Eu sempre quis ser criador de gado, desde muito cedo”, diz ele.

A pecuária convencional Daniel deixou para os demais membros da família Steinbruch, sucessores de terceira geração na produção de gado, além de empresários e banqueiros. Daniel é filho de Ricardo Steinbruch, atual presidente do conselho de administração do grupo têxtil Vicunha, um dos maiores do país, e também a partir de janeiro presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Das fazendas da família, saem cerca de 20 mil bovinos nelore e cruzados com outras raças, por safra, destinados ao abate, como ocorre com outros cerca de 40 milhões de bovinos no país, para o mercado interno e exportação.

Mas Daniel é de outra seara. Não se envolveu no negócio de commodity porque escolheu praticar uma pecuária de nicho, colocando no mercado um dos tipos de carne mais valorizados no mundo, vendida em restaurantes como uma iguaria que pode passar de mil reais o quilo, na mesa do consumidor. São produtos de uma pecuária diferente daquela do dia a dia, indispensável para a humanidade como fonte de proteína nobre, ou por ser o alimento que contém a maior concentração de ferro heme, a forma biodisponível para o organismo humano. Apreciar um corte de wagyu, no Japão, em Nova York ou em São Paulo, vai além da nutrição e está na mesma esfera de uma copertura dello escamone, ou picanha para nós, de um piemontês criado por oito anos na Itália. Ou um chuletón, uma enorme bisteca de boi adulto, no Asador Etxeabarri, em Axpe, na Espanha. Não por acaso, no dia 28 de setembro, a Starzen Company, criadora de wagyu no Japão, levou o prêmio de melhor bife do mundo no The World Steak Challenge, em Dublin, onde participaram churrasqueiros do mundo todo.

Essa é apenas uma parte da história, porque a pecuária não é uma atividade simplória de um lado ou apenas glamurosa de outro. É falso acreditar que nesse mundo da carne wagyu, ou de qualquer outra carne premium, todo bife vale ouro. “A verticalização da pecuária é muito complexa, porque é preciso vender o boi inteiro, dos cortes mais baratos aos mais caros”, diz Daniel, que, em média, fatura R$ 3,5 milhões mensais com seu negócio.

Ele vende ao mercado atacadista o quilo da costela por apenas R$ 20 (lembrando que o nobre prime rib quer dizer “costela de primeira”); uma raquete ou paleta sai entre R$ 100 e R$ 200, enquanto um bife ancho ou picanha pode ir a R$ 600 por quilo. Daniel consegue desmontar o boi em 29 cortes primários – uma peça de coxão mole, por exemplo –, que vão resultar em 102 cortes secundários, os ditos porcionados.

O abate atual é de 56 animais puros wagyu, por mês, de um total de 1,5 mil animais na fazenda que tem uma área de 800 hectares. A meta é chegar a 100 cabeças nos próximos três anos. A fazenda tem 350 hectares de pastagens divididas em piquetes de 10 hectares cada um e um confinamento de capacidade estática para 600 animais.

Fazenda de carne

Quem aprecia a carne produzida por Daniel em restaurantes como Pobre Juan, Cipriani ou na espetacular cozinha do francês Claude Troisgros, um dos grandes nomes da gastronomia brasileira, pode ter pouca ou nenhuma noção do intrincado processo de produção no campo e como se constrói um projeto ao longo do tempo. O de Daniel foi um caminho nem sempre em linha reta. Foi preciso resiliência e foco.

Quando Daniel decidiu, lá atrás, pelo wagyu, os primeiros animais comprados eram para produzir touros que seriam utilizados em cruzamento industrial em Mato Grosso do Sul.

Foram seis fêmeas e dois machos. Na época, como era impossível importar, eles vieram de um criatório da Bahia.“Foi uma compra difícil, porque o criador vendia pouquíssimos animais de alta genética”, afirma Daniel. Aliás, o início do wagyu no Brasil, trazido pelos japoneses da Yakult, foi um processo lento, porque mesmo no Japão o rebanho não é numeroso, e há restrições à saída de animais.

O fato é que, entre 2006 e 2010, ele tentou um modelo de cruzamento industrial de wagyu com outras raças, como angus, nelore, simental, procurando um modelo rentável que não acontecia. Por isso ele virou completamente a criação. “Mas eu sempre acreditei que a raça era essa: o wagyu. Nunca duvidei”, diz ele, lembrando um fato que marcou sua vida. “Convivi pouco com meu avô, que tinha ido ao Japão e conheceu a raça lá. Meu pai conta que ele falava que havia comido a melhor carne da vida dele.” O avô faleceu em 1993, um ano depois da importação feita pelos japoneses da Yakult.

A virada do negócio de Daniel foi apostar na carne de wagyu puro, sem nenhum cruzamento, mas que fosse apreciada pelos brasileiros. “Hoje é mais fácil, mas lá atrás, na literatura, o que tinha era justamente em japonês. Então, fomos ver a literatura do wagyu criado nos EUA e na Austrália”, afirma. Ele escolheu a Austrália pelo histórico de melhoramento genético, uma decisão que o Brasil tomou no ano passado, ao instituir um programa por meio da associação de criadores da raça.
Hoje, o país tem um rebanho de cerca de 7 mil animais da raça wagyu certificados, que pertencem a 44 criadores, de acordo com a Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos das Raças Wagyu (ABCW). O abate total anual fica em torno de 4 mil animais. “Decidimos pela Austrália porque queríamos genética com avaliação – agora é uma questão de tempo para o Brasil também ter um banco de dados superior, como outros países. Chegaremos lá, com certeza.”

Genética na base do rebanho

Daniel fez duas importações, uma de 200 embriões e sêmen em 2018 e uma importação de 3,5 mil doses de sêmen em 2021. Foi assim que se deu a virada: aumentando o rebanho com genética por meio de FIV (fertilização in vitro). O plantel atual é de 700 fêmeas. Além disso, os machos, em vez de serem vendidos como tourinhos, passaram a ser castrados e criados para o abate.

Em 2013, Daniel deu um novo passo, ainda maior, mas decisivo na verticalização da sua pecuária. Até aquele momento, o rebanho destinado ao abate era vendido aos frigoríficos com marcas de carne premium, com bonificação de cerca de 10% sobre o preço da arroba. O criador de gado, então, montou seu próprio frigorífico e uma marca de carne, a Guidara. “Começamos a terceirizar o abate e a desossa e vender a carne. Mas, com a Guidara, passamos a ter o processo total”, afirma ele. Além dos animais próprios, ele também abate para outras marcas, como a Beef Passion, de Nhandeara (SP), projeto montado pelo produtor Antônio Ricardo Sechis, que também cria wagyu.

Essa já era uma outra carne, muito diferente daquela que tentava fazer no início da jornada. Era preciso pensar em um modelo para o Brasil. Em geral, o wagyu é desmamado e levado para o confinamento, um processo caro, mas que garante um “animal padrão japonês”. O marmoreio da carne, aquela gordura entre as fibras, mais a capa de gordura pode chegar a 12 milímetros, como ocorre no Japão. “A gente tinha esse gado no manejo, mas o mercado
brasileiro não está acostumado a ele”, afirma.

Na genética, a gente buscou animais com elevado marmoreio e desenvolvimento, mas o nosso foco principal agora é a conversão alimentar

No Japão, o consumidor come pequenas porções, em torno de 50 gramas a 100 gramas de carne, como sashimi, e está satisfeito, uma sensação provocada pela alta quantidade de gordura entre as fibras da carne. O brasileiro é da grelha e do churrasco, com porções de 350 gramas, em média. Servido assim, com tempo para a gordura esfriar entre o fogo e o prato, a carne se tornava dura, uma heresia em se tratando de wagyu. Em tempo: essa gordura é a saturada, aquela do bom colesterol e plena de ômega 3, 6 e 9. “E, além disso, o mercado queria contra-filé, o filé mignon e alguns outros poucos cortes. Para o resto, tínhamos muita dificuldade no início”, conta Daniel. “Animais com alto nível de marmoreio têm um mercado complicado no Brasil. Então, fomos em busca do que seria um nível de marmoreio excelente para o nosso mercado.”

A mudança do manejo foi replicar para o wagyu o modelo de desmama, pasto para a recria e só depois o confinamento, monitorando em cada etapa a condição corporal dos animais. Com isso, Daniel encontrou a fórmula para a sua carne. Hoje, os machos vão para o abate entre 26 e 27 arrobas, e as fêmeas que não serão mães, entre 22 e 24 arrobas, com rendimento de carcaça (que é carne com osso) de 56%, por volta de 3 anos de idade. Esses são índices ótimos na pecuária.

No confinamento, que antes era para a vida toda, agora os animais permanecem por até um ano, em média, com a cabeceira pronta aos 220 dias. Mas, o confinamento ainda é um desafio, porque Daniel quer diminuir o tempo de engorda no sistema. “Já diminuímos em 60%, mas podemos mais”, diz ele. As contas da fazenda mostram por que essa é uma meta na agenda. Hoje, o custo para alimentar diariamente cada animal no confinamento é de R$ 15,60, enquanto na recria dos piquetes o custo é de R$ 9,50 por dia. “Na genética, a gente buscou animais com elevado marmoreio e desenvolvimento, mas o nosso foco principal agora é a conversão alimentar. Quanto um animal come para produzir um quilo de carne.”

O aprendizado do manejo alimentar, uma ciência da nutrição que representa o maior custo de uma fazenda, provocou mais uma mudança a partir de 2018. Com uma receita da melhor composição da carne do wagyu de raça pura estabelecida, o aprendizado trouxe de volta para o sistema o que Daniel havia abandonado: a criação de animais cruzados de wagyu, que ele realiza com a raça angus e para os quais também encontrou mercado com sua marca própria. “Voltamos para o animal cruzado, mas criando uma linha de carnes para esses animais”, diz. “E aí, para o consumidor, é uma questão de gosto. O importante é
que ele saiba o que está comendo. Nossa tarefa é entregar uma experiência, e ela é sempre uma evolução. É uma questão natural.”

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